13/12/2010

Somos todos um

As inúmeras transformações sociais e valorativas ocorridas na modernidade oitocentista a partir da queda do ideário aristocrático e sua substituição pela visão de mundo burguesa trouxeram consigo um projeto cultural de instauração da noção de "igualdade" na esfera política, econômica ou social. Todavia, o projeto moderno de estabelecimento da "igualdade" humana se revelou uma farsa, pois nenhum ser humano manifesta qualquer tipo de característica semelhante a outrem, e se falamos de "igualdade", estamos certamente estabelecendo uma redução simbólica da condição individual.
Encontramos em Ortega y Gasset um dos principais filósofos a problematizar a questão da massificação da cultura na modernidade ocidental, e suas diversas implicações na esfera simbólica e social da vida humana.
Ao criar o conceito de "homem-massa", o filósofo forneceu um importante aparato intelectual para compreendermos de que maneira vivemos sob a égide moralista do nivelamento humano, e de que forma nossa criação cultural se submeteu a tais parâmetros normativos motivando, assim, nada mais do que o empobrecimento existencial e a legitimação do grotesco. Para Ortega y Gasset, "de repente a multidão tornou-se visível, instalou-se nos lugares preferenciais da sociedade. Antes, se existia, passava despercebida. Ocupava o fundo do cenário social; agora, antecipou-se às baterias, tornou-se o personagem principal. Já não há protagonistas, só coro" (A Rebelião das Massas, p. 43).
A moda é uma grande promotora da massificação orgânica da sociedade regida pelo sistema de burocratização da existência, pois ao prometer de forma falaciosa ao consumidor a oportunidade deste se destacar gloriosamente dos demais ao adquirir determinado gênero, faz na verdade que tal sujeito siga o sistema aglutinador de massificação.
Se, na Antiguidade grega, um indivíduo obtinha o reconhecimento social pela realização de feitos extraordinários que superavam o padrão ordinário, em nossa moderna ordem burocrática da existência conquistamos o reconhecimento público consumindo os produtos previamente estabelecidos pelos "sacerdotes" da massificação cultural.
Como ninguém quer ficar fora de moda e assim ser estigmatizado como "extravagante", todo um grupo social segue passivamente as palavras encantadas dos publicitários, que promovem uma relação fetichista entre a mercadoria e a felicidade que supostamente pode vir a ser alcançada mediante o consumo do produto alardeado. Acreditando se destacar do seio da massa ao usar determinada coisa, o indivíduo, ludibriado pela propaganda, chafurda ainda mais na essência da própria massa da qual pretensamente queria se emancipar.
A obra de Ortega y Gasset se revela, conforme vimos no decorrer deste texto, como um libelo contra a ameaça da supressão da singularidade do homem ocidental, oprimido continuamente por um ideário valorativo sectário da redenção da mediocridade diante da demonização da singularidade.
Fonte: transcrição de trechos do artigo O advento do homem-massa, da revista Filosofia.

Grato por este agora e um bom caminho!

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